segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Copa do Mundo - Aspectos Psicológicos do Futebol

Entre nós, futebol é um jogo que emociona multidões, ocupa em nossa cultura a função de esporte nacional e já nos deu cinco copas do mundo.
O futebol é um espetáculo coletivo que se torna ritualístico na medida em que se identifica os espectadores com o drama que se desenvolve no campo. Os jogadores são como personagens de teatro com os quais nos identificamos ritualmente. E o campo, na realidade, reúne dois grandes teatro de arena, sendo por isso um anfiteatro (anfi=ambos os lados). O circo, o cinema, as paradas, as corridas, os festivais de música e dança, as touradas e os demais esportes coletivos, são espetáculos onde o público pode participar através da identificação dramática. Esta identificação é proporcional ao entusiasmo demonstrado pela assistência. Prova disso é que, em inúmeras culturas, estes espetáculos existiam como um ritual propiciador dos deuses, como bem exemplificam os jogos olímpicos dedicados a Zeus. O gesto do jogador vencedor erguer a Copa no final é uma manifestação de glória e comunhão do indivíduo com o todo.
A finalidade do futebol é lidar com inúmeras emoções e conviver criativamente com elas, organizando-as em função do centro, isto é, do gol. E o goleador é o herói. Os jogadores de futebol são os heróis do povo, e o goleador é o maior de todos. É que, identificados com os jogadores no ritual dramático, sentimos que eles realizam proezas físicas e psiquicas tremendamente gratificantes. O gol do adversário é definido por um time igual ao nosso. Para chegar a ele, temos que nos defrontar com emoções e temores intensos, e temos que atravessá-los através do drible, do domínio de bola, da intuição, planejamento, ação, velocidade - tudo enfim que há de mais humano contra tudo humanamente igual. A imprevisibilidade do jogo faz com que toda sorte de emoções surja entre o herói e o gol. Com isso, a ação dramática dos 90 minutos é um processo de luta que uma pessoa tem na vida para atingir suas metas.
Um jogo de futebol é, pois, uma obra dramática. Nela o ser humano se lança, em meio as mais variadas peripécias emocionais, para marcar o seu gol. E o espectador vivencia as mesmas emoções que os jogadores. A torcida anima na medida em que empatiza e expressa as emoções dos próprios jogadores e é animada pelos jogadores porque o desenrolar do jogo apresenta a elaboração das emoções dos jogadores e da torcida. Terminado os 90 minutos, jogadores e torcida deixam o estádio para continuar elaborando durante a semana os grandes lances emocionais que juntos vivenciaram.
O futebol lida com emoções fundamentais, como, por exemplo, a agressividade, a competição, a inveja, a crueldade, a depressão, o orgulho, a vaidade, a humilhação, a amizade, a covardia, a rivalidade, o fingimento, traição e muitas outras. Praticamente todas as emoções humanas podem ser objeto de elaboração, aprendizado e controle durante um jogo.
A identificação emocional jogador-torcedor faz com que as emoções elaboradas pelo jogador o sejam simultaneamente pelo torcedor. Um time que se lança ao ataque em conjunto, ativa a coragem e a ambição do jogador-torcedor em busca do gol. Ativa sua inteligência, argúcia, intuição e criatividade. E o mesmo se passa com o adversário. Este confronto de qualidades humanas a serviço da invasão, por um lado, e da resitência, por outro, que logo vão se inverter num contra-ataque, desenvolvem enorme agressividade no ser humano pelo ímpeto de atingir o centro do outro time e marcar gol. A energia vital necessária para um jogador se lançar de corpo inteiro no ar para cabecear um cruzamento só é possível diante de um enorme espírito de luta. As frustrações inerente a maioria as jogadas, não raro acompanhadas de dor física nas entradas violentas, despertam também um intenso antagonismo e agressividade.
Exatamente pelo fato do futebol ser jogado com os pés, o fato do controle da bola ter que ser feito com os pés em momento de tão grande tensão, torna o controle das emoções na hora da jogada um feito realmente heróico do ponto de vista psicológico e até existencial.
A maior frustração que um jogador dá a sua trocida não é perder o jogo, é de ser expulso de campo por descontrole emocional. Psicológicamente, isso é significativo, pois até mesmo perdendo o jogador leva avante a sua evolução emocional. Atravessar a vivencia depressiva da derrota, jogando sem se descontrolar, é emocionalmente uma proeza ainda maior que a vitória.
Pode acontecer também, a ruptura da identificação jogador-torcedor. É quando o jogador se controla mas o espctador perde o controle emocional. O jogador realiza um esforço heróico de contenção que o torcedor nesses momentos não acompanha: ele berra, xinga, atira coisa no campo, ameaça, agride alguém na arquibancada. Outros torcedores podem entrar na briga ou invadir o campo. O jogo chega a ser interrompido ou até mesmo suspenso. Venceu o caos. Acabou-se o futebol. É cartão vermelho do espectador.
No afã de chegar lá também e de participar da luta o espectador em breve se recompõe e retoma a missão comum em direção ao gol. E o êxtase do gol é algo tão maravilhoso que por estado emocional algum torcedor pode perder. O feito do jogador permitiu ao espctador mergulhar no âmago da agressividade e voltar a tona sem se afogar, ou seja sem ficar possuído por suas emoções. É assim que se faz um desportista, e asim que se engrandece e amadurece a personalidade de uma pessoa.
O gol é espacial e emocionalmente o âmago do time. A área que o cerca, a "grande área", matiza a espaço à volta do gol com características espaciais - só dentro dela o goleiro pode pegar a bola com as mãos. A outra grande característica é que qualquer falta feita pela defesa dentro da área é uma falta máxima (pênalti) para a defesa, mas não para o ataque.
O gol é o maior símbolo do futebol. A vivencia de sofrer o gol e de fazer o gol se complementam e formam um todo emocional. Tristeza e alegria, frustração e realização são assim vivenciados como pólos inseparaveis do processo existencial. Esta lição de grande profundidade emocional é dos mais sábios e difíceis para um ser humano aprender durante o seu longo processo existencial.
O jogador e a torcida sabem que o gol não é um acontecimento lógico. Ele depende sempre da chance do destino, de algo ligado ao mistério da criatividade e da vida que transcende as leis de causa e efeito. Às vezes, o jogador tem tudo para marcar e não marca. Fala-se em magia, em fetiço, em "gol fechado". Ou então é dia do artilheiro "estar com a cachorra". E entra tudo. É a supertição querendo dar forma ao indescretível e explicar o incompreensível. Mas todos sabem que o gol surge como uma revelação, exatamente como as soluções nos misteriosos caminhos da vida. Às vezes, temos a premonição de que o gol vai ser feito antes mesmo do jogador chutar. É a vivencia profética, tão comum no futebol. Por isso, todo chute em gol é um ato de inspiração, de fé diante da qual o jogador e a trocida sabem que será " o que Deus quiser". Se não tiver de entrar não entra mesmo. Nesse sentido, acontecem gol inacreditáveis que trazem vitórias impossíveis e que proporcionam ao jogador-torcida vivencias milagrosas , inerentes ao tipo das vivencias misticas.
O gesto do juiz apontando o centro do gol é emocionante de todo o jogo, sendo complementada pela beleza do salto consagrador do artilheiro diante da torcida. É como se cada gol contivesse todo o mistério do jogo, terminasse de certa forma o jogo, que deve outra vez ser reiniciado, a partir do centro.
Os times entram em campo, são opostos e tudo fazem para golear e assim se tornam um fenômeno exemplar. Uma equipe ataca, outra se defende. Ao atravessar o time adversário, ao senti-lo batido, resta o goleiro que se defende com tudo. Ao vencê-lo também o goleador decreta a queda. É o confronto máximo de uma polaridade onde o vencido foi atingido no âmago mais íntimo do seu centro e o vencedor consagrou o poder penetrante do seu ataque. Para o jogador-torcedor identificado com a sorte do seu time, ser goleado dói no fundo do ser, para o jogador-torcedor goleador acontece a consagraçâo de todo o esforço desenvolvido. Quando alguém vence, alguém perde, e é isto que sempre une tristeza e alegria em tudo que ocorre de mais profundo no mistério da vida.
Do jeito que é praticado no Brasil, o futebol traz uma mensagen de desenvolvimento para toda a nossa cultura.Com nosso futebol criativo e solto, fomos penta-campeões do mundo, onde os brasileiros se identificam com o time solto para atacar ou se defender, para perder ou ganhar de muito. O Brasil, portanto, tem muito para crescer de forma integrada, conseguindo absorver e vivenciar oas grandes lances que já vive no samba e no futebol.

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